9º A,
Vamos recordar o Auto da Barca do Inferno
Auto da Barca do Inferno-Geral
Auto
da barca do inferno de Gil Vicente, é uma peça de teatro que remonta ao
séc. XVI. Gil Vicente, nesta peça, pretende criticar a sociedade do seu
tempo, com vista a moralizar as pessoas e a fazê-las pensar se na
realidade será de facto assim. Por ter como objetivo moralizar as
pessoas, também há quem chame à peça Auto de Moralidade, onde Gil
Vicente defendia os princípios cristãos que considerava importantes.
Como
constantes da peça, temos um cais, onde há dois barcos, com os seus
respetivos comandantes: o Diabo e o Anjo. Estas duas personagens,
representam respetivamente, o mal e o bem, por isso se diz que a peça
tem um caráter alegórico (é algo concreto, mas que representa um
realidade abstrata). Ao longo da peça vão desfilando várias personagens
que representam uma certa classe social, pois as criticas não eram
apenas individuais – personagens tipo. Cada personagem apresentará
consigo um ou vários objetos, chamados símbolos cénicos, que
representam os pecados das personagens tipo.
Auto da Barca do Inferno- caraterização por cenas
Cena do FidalgoO
Fidalgo representa a nobreza e critica aqueles que só pensam no seu
estatuto social. Esta personagem depara-se com o diabo, vindo carregado
com a sua cadeira de espaldar, que representa os bens materiais e o
poder, o pajem, que simboliza a tirania que exercia sobre o seu povo e o
manto com cauda que simboliza a sua vaidade.
No início da cena, o
Fidalgo apresenta-se muito relaxado no diálogo que tem com o diabo,
porém à medida que o discurso vai avançando e que vão sendo feitas as
acusações por parte do diabo e posteriormente pelo Anjo, o seu humor
altera-se um pouco, mostrando arrogância e irritação.
O seu percurso cénico, resume-se a falar inicialmente com o Diabo e, posteriormente com o Anjo.
Tanto
o diabo como o anjo acusam-no de ter sido tirano perante o seu povo,
acusa-o de vaidade e de ridicularizar os mais pobres. Perante estas
acusações o Fidalgo apresenta como argumentos, o facto de ter na terra
quem reze por ele, e o simples facto de ser fidalgo de solar. Este
segundo, mostra como esta personagem estava convencida de que o seu
estatuto social lhe iria valer para poder ir para o paraíso.
Durante o
discurso com o Diabo, e perante o argumento de defesa, que tinha quem
rezasse por ele em terra, Gil Vicente pretende criticar as práticas ocas
da religião.
Perante a recusa do Anjo de embarcar o Fidalgo no seu
barco este mostra-se arrependido, mas ao conversar novamente com o
Diabo, ainda tenta regressar a terra apresentando como argumento o de
querer ir ver a sua amante e posteriormente a sua mulher. O Diabo
responde-lhe que tanto a amante como a mulher tinham chorado de alegria
no seu funeral e que tinha sido enganado a vida toda. É por fim
condenado ao Inferno.
Cena do Onzeneiro
O
Onzeneiro, representa a burguesia e um vício social da época. Com ele
Gil Vicente, pretende criticar os burgueses que naquele tempo se
dedicavam aos juros de onze por cento aplicado aos empréstimos de
dinheiro.
O Onzeneiro entra em cena e depara-se com o diabo que o
trata como seu parente, mostrando com ironia que a personagem tinha
qualquer coisa a ver com ele, que era como se fossem da mesma família. A
personagem vem irritada e a reclamar que lhe estavam mesmo a entregar
dinheiro quando morreu.
Uma bolsa de dinheiro é o símbolo cénico que o
Onzeneiro traz consigo e que representa a sua ganância pelo dinheiro.
Este é acusado pelo Anjo de ter roubado a vida toda, de ter o coração
“cheio de dinheiro” e de ter uma ligação obsessiva ao dinheiro. Por ter
esta obsessão tão grande, quando o Anjo lhe recusa a passagem para o
Paraíso, este pensa que é porque não tem dinheiro para pagar, querendo
regressar à terra para o ir buscar e assim ter a salvação. O Onzeneiro
realiza um percurso em que fala primeiro com o Diabo, depois com o Anjo e
por fim é também condenado ao inferno.
Cena do Parvo
O
Parvo é uma quebra na rotina, e não pretende criticar ninguém, mas sim
tornar a peça não tão monótona e criar um pouco o cómico.
Esta personagem, não é acusada de nada, nem transporta objetos cénicos, pois tudo o que fez foi sem consciência alguma.
A
sua entrada em cena, cria logo o cómico, o qual tem vários tipos que se
apresentam ao longo da cena e da peça (cómico de situação, de
personagem e de linguagem).
O Parvo fala primeiro com o Diabo, que o
tenta convencer a entrar na sua barca, mas ao falar com o Anjo este
leva-o consigo, devido à sua simplicidade, ingenuidade e a não ter
errado nas ações que fez, pois fê-las sem consciência. O Anjo, diz ao
Parvo que fique por ali até aparecerem mais pessoas, o que foi feito com
a intenção de este travar também diálogo com as restantes personagens.
Cena do Sapateiro
O
Sapateiro representa a baixa-burguesia e um grupo de ofícios. Nesta
personagem, está novamente presente a critica às práticas erradas da
religião.
Esta personagem entra em cena, transportando consigo o
avental e as formas de sapatos que representam os anos que enganou os
seus clientes. Este é acusado de roubar os clientes e de não revelar
todos os seus pecados, perante a confissão; aos quais o Sapateiro
responde que sempre se tinha confessado, que tinha ido á missa, que
tinha dado ofertas para a igreja e até que tinha assistido às orações
pelos mortos. Mais uma vez, esta personagem está convencida que por
assistir ás missas e se ter confessado estava automaticamente no
Paraíso.
Em cena, o Sapateiro fala em primeiro lugar com o Diabo, depois com o Anjo e é condenado ao Inferno.
Cena do Frade
O
Frade representa o Clero. Este tem uma entrada em cena muito pouco
vulgar para um padre, vindo a cantar e com uma moça pela mão. Esta é um
dos seus elementos cénicos, juntamente com o seu equipamento de esgrima
(broquel, espada, capuz e capacete) e com o seu hábito. A moça
representa o seu rompimento dos votos de castidade a que os padres são
obrigados e o equipamento de esgrima representa as práticas mundanas a
que o padre se dedicava.
Este frade é um pouco fora do vulgar, que é
visível pela sua entrada em cena, ou seja dedicava-se a bens materiais o
que é exactamente oposto á condição de um padre e por isso é acusado
pelo diabo de não ter exercido correctamente a sua profissão, de ter
quebrado os votos de castidade e de fazer coisas poucos próprias da sua
condição social. O Frade defende-se dizendo que ir para o inferno não
tinha ficado escrito no seu “contrato”, e argumentando que no seu
convento ele não era o único a quebrar os votos de castidade
(pretende-se aqui alargar a crítica).
Esta personagem, não dialoga
com o Anjo, apenas com o Parvo, pois o Anjo nem se dá ao trabalho de
falar com uma personagem que supostamente deveria ir para o Paraíso,
pois deveria agir de acordo com o bem. Por fim, o Frade resigna-se e vai
para o Inferno.
Cena da Alcoviteira
A
Alcoviteira representa os elementos do povo e baixa-burguesia que se
dedicavam a encaminhar as raparigas e mulheres casadas para a
prostituição. Representa esta atividade profissional.
Esta
personagem apresenta-se com voz elogiosa e usa uma linguagem popular.
Começa por recusar a entrada no Inferno e acusa-se a si própria dizendo
tudo o que traz consigo como se fosse a coisa mais natural. É a
personagem que mais bagagem traz, representando todos os pecados que fez
ao longo da sua vida. Tanto o Diabo como o Anjo não a acusam, mas ela
defende-se por não querer ir para o Inferno, dizendo que casava muitas
mulheres, que tinha sido muito martirizara, que tinha convertido muitas
raparigas, que as tinha encaminhado e até que as vendi aos padres da Sé,
argumentando que se servia a igreja, deveria ir para o Paraíso.
Em cena, a Alcoviteira dialoga primeiro com o Diabo, depois com o Anjo e finalmente é condenada ao Inferno.
Cena do Judeu
O
Judeu representa a religião e pretende salientar como os Judeus eram
mal considerados pelos cristãos. Tanto o Diabo como o Anjo não o acusam
diretamente, pois o Diabo não o quer na sua barca, por estes serem
muito mal considerados. É apenas acusado pelo Parvo de comer carne nos
dias santos, que na sua religião era proibido.
O Judeu aparece em cena com um bode, que representa a sua religião.
O Judeu, ao contrário das outras personagens quer ir para a barca do inferno, pois já sabe que é condenado.
Perante a recusa do Diabo, o Judeu roga-lhe pragas.
O
seu percurso em cena passa pelo Diabo, que lhe recusa a passagem,
tentando o Judeu entrar através do seu dinheiro, o que revela outro
caráter dos Judeus – o apego ao dinheiro; pelo Anjo, em que apenas fala
com o Parvo, e por fim volta ao Diabo que como o leva obrigado diz que o
leva a reboque.
Cena do Corregedor e do Procurador
O
Corregedor e o Procurador aparecem juntos em cena, para por um lado
quebrar a monotonia e por outro para alargar a crítica a todos os que
trabalham com leis. Representam, assim a classe dos magistrados,
criticando o funcionamento da justiça.
O Corregedor é quem se
apresenta primeiro em cena, trazendo consigo os processos que
representam a corrupção. No diálogo com o Diabo, mostra-se convencido de
que a sua posição social o irá salvar. Seguidamente aparece o
Procurador, que vem auxiliar o Corregedor, mostrando assim a
cumplicidade que existia nos membros da justiça. O seu símbolo cénico
são os livros.
Ambos são acusados de enganarem os mais pobres, de
aceitarem dádivas dos Judeus, de julgarem mal os processos e de
aceitarem roubos. O principal argumento dos dois é a sua posição social,
argumentando também com o facto de dizerem que agiram sempre segundo a
justiça e quando o Diabo acusa o Corregedor de aceitar as dádivas dos
Judeus, este desculpa-se com a sua esposa, afirmando que ele não tinha
nada a ver com isso.
Ambos são condenados ao Inferno e no fim o
Corregedor fala com Brízida Vaz (Alcoviteira), pois conhece-a dos
problemas com a justiça.
Cena do Enforcado
O
Enforcado representa as vítimas da justiça e aparece a seguir ao
Corregedor e ao Procurador para vermos como este foi vítima da sua
corrupção. Não sabemos bem, o que Gil Vicente pretende criticar com esta
personagem, até porque não é acusado de nada, nem tão pouco se defende,
ou melhor, defende-se por não querer ir para o inferno, baseando-se nas
palavras que em Terra alguém lhe tinha dito. No seu diálogo com o
Diabo, ficamos a perceber que o Enforcado é um pouco ingénuo, por ter
acreditado em tudo o que lhe tinham dito, e por pensar que morrer numa
forca iria para o paraíso, só porque morria a sofrer. Isto revela como a
lei espiritual é contrária à lei do homem. Não sabemos porque é que é
condenado á morte em Terra. Talvez por ter sido criminoso? Não sabemos.
No seu percurso fala só com o Diabo e o seu símbolo cénico é a corda.
Cena dos Quatro Cavaleiros
OS
cavaleiros representam aqueles que combatiam pela fé cristã. Aparecem
em cena apregoando uma cantiga que lembra às pessoas que ficaram em
Terra a necessidade de passarem por aqueles barcos e como a vida é uma
passagem. Nesta cantiga está contida a moralidade da peça, que é o facto
de a vida ser uma transitoriedade e de termos de ser julgados ao chegar
aquele cais.
Os cavaleiros nem sequer param na barca do Diabo e
quando este os interpela eles simplesmente lhe perguntam se sabe com
quem está a falar. Estes personagens não apresentam argumentos para ir
para o Paraíso, apenas o Anjo quando os vê chegar, diz que já os
esperava e que eles é que tinham sido verdadeiros mártires da fé cristã.
Os seus símbolos cénicos são as cruzes de Cristo.